Recentemente algumas pessoas veem questionando - devido
polêmicas jurídicas na TV e outros locais - o sentido do voto nulo já
que para alguns a existência de mais de 50% de voto nulo não anula as
eleições. Obviamente que há uma polêmica em torno disso (alguns
sustentam que anularia a eleição, ao contrário dessa posição), mas isto é
totalmente irrelevante para a luta pelo voto nulo por parte de
tendências anarquistas e autogestionárias. Assim, o que se faz é uma
grande confusão, com intenções óbvias de realizar tal processo, querendo
desqualificar o voto nulo libertário e confundi-lo com o voto nulo
oportunista (sobre as formas do voto nulo, veja o artigo "Eleições, Voto
Nulo e Autoemancipação", clicando aqui http://enfrentamento.net/Texto%20Nildo%20Viana.pdf).
O
voto nulo libertário (anarquista ou autogestionário) não visa anular
nenhuma eleição, pois é constitutivo dos seus princípios a recusa em
geral do sistema eleitoral e partidário. Trata-se de uma recusa da
democracia burguesa que não visa trocar governos mas propor a superação
da existência de governos e do Estado em geral. A abolição do Estado (e,
portanto, da democracia representativa, do sistema eleitoral, dos
partidos políticos, dos políticos profissionais, etc.) e sua
substituição pela autogestão social ou "livre associação dos produtores"
é o objetivo. Nessa perspectiva, anular as eleições e convocar outras é
simplesmente inócuo, estéril e até indesejável, pois teríamos mais uma
enfadonha campanha eleitoral com os partidos apresentando seus produtos
de má qualidade nas vitrines do grande supermercado chamado processo
eleitoral. Nessa perspectiva, um novo pleito eleitoral é apenas mais do
mesmo, repetição do que não deveria existir. Se uma eleição fosse
cancelada, haveria outra, o que significa nada mudar.
O que se
propõe, nesse caso, na perspectiva do voto nulo autogestionário, é
abolir as eleições, o sistema eleitoral representativo e burguês, o
Estado capitalista, etc., e, portanto, significa ABOLIÇÃO e não
CONTINUAÇÃO. Essa abolição, por sua vez, significa SUPERAÇÃO e
SUBSTITUIÇÃO por algo radicalmente diferente, que é a AUTOGESTÃO SOCIAL.
Ao invés da falsa participação e "democracia", na qual os iludidos
escolhem a cada quatro (ou mais ou menos, mas por um período determinado
de tempo sem exercer poder ou poder substituir quem foi eleito) anos
quem irá dirigir e controlar nossa vida, o que propomos é que nós mesmos
passemos a nos dirigir e controlar, tanto o processo de produção
(abolindo o capital, ou sua expressão jurídica, a propriedade privada)
quanto o conjunto das relações sociais, via formas de auto-organização,
como os conselhos de fábrica e de bairros, entre outras.
Assim,
confundir a proposta de voto nulo libertário (anarquista ou
autogestionário) com a proposta de voto nulo oportunista - que é a de
organizações ou pequenos partidos que negam apenas estas eleições ou o
processo eleitoral apenas até se fortalecer e poder lançar candidatos ou
concorrer, ou, pior ainda, por esperar um adiamento e descrédito dos
adversários para depois tentar ganhar ou obter vantagem eleitoral - é
algo totalmente sem sentido. O discurso que afirma que mais de 50% dos
votos não anula o processo eleitoral não atinge a maioria das formas de
voto nulo, a não ser a já citada, pois nem o voto nulo espontâneo (por
ceticismo e descrença de setores da população) visa isso.
O voto
nulo autogestionário significa, portanto, recusa total do sistema
eleitoral e da sociedade capitalista como um todo. Obviamente que não
tem a ilusão de que o aumento do voto nulo, nem que seja mais de 50%,
signifique a transformação radical e total das relações sociais que está
proposto em seus princípios. é claro que se houver tal proporção, a
possibilidade de tal transformação se torna uma realidade possível,
desde que não tenha sido motivada por voto nulo oportunista. O objetivo
principal da defesa e campanha pelo voto nulo, numa perspectiva
autogestionária, remete para a sua finalidade, a luta pela autogestão
social. E faz isso através de um processo de politização e crítica da
democracia burguesa e do Estado capitalista e simultânea apresentação de
um projeto alternativo de sociedade, a autogestão social, bem como de
análise crítica e reflexão sobre as formas do voto nulo. Assim, o voto
nulo autogestionário apresenta, simultaneamente, uma crítica totalizante
da política institucional (Estado capitalista, democracia burguesa,
sistema eleitoral, políticos profissionais, corrupção, etc.), uma
reflexão crítica sobre o voto nulo (suas formas, alcance, limites, etc.)
e uma unidade destes dois elementos com o projeto autogestionário de
emancipação humana.
O resultado esperado disso não é a ilusória e
ingênua anulação de uma determinada eleição e sim uma maior politização
da população, daqueles que já defendem o voto nulo espontaneamente sem
um projeto alternativo de sociedade ou percepção mais totalizante da
democracia burguesa, e perda de legitimidade das instituições burguesas,
dos governos, etc. Em síntese, a politização de uma parte cada vez
maior da população e a deslegitimação cada vez mais intensiva dos
governos e instituições burguesas é o resultado esperado e que contribui
com o objetivo final que é a transformação social radical e total das
relações sociais, a formação de uma sociedade autogerida. No fundo, é
disso que o Estado, os governos, etc. temem, pois é isto que é uma
ameaça real, o resto é apenas troca de corruptos e oportunistas no
interior das mesmas relações sociais que criam estes tristes personagens
e é por isso que buscam criar confusão entre voto nulo oportunista -
que no fundo relegitima a democracia burguesa e tudo que é relacionado,
sem nenhum projeto verdadeiro de transformação social - e o voto nulo
libertário. Contudo, a tendência e o que vem ocorrendo é o aumento do
voto nulo (tanto o espontâneo quanto o libertário) e assim o temor da
classe dominante e suas classes auxiliares se justifica, mas não é
suficiente para impedir sua realização e ampliação. Quanto mais votos
nulos, menos pessoas envolvidas, iludidas, interessadas, no processo
eleitoral e isso significa menos força da política burguesa
(institucional) e mais força da política proletária (anti-institucional,
voltada para a auto-organização da população). Um fantasma ronda as
eleições atuais, o fantasma da autogestão social.
Nildo Viana
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